quinta-feira, 19 de março de 2009

Quando as luzes se apagam

(By fotolog)Teresa estava diante de um imenso corredor, com três portas do seu lado direito. Bateu na primeira:


- Filho, já é hora do jantar, vamos descer e aproveitar para conversar um pouco?
- Não mãe! Agora não! Eu estou escutando um cd massa que um brother meu me emprestou, mas daqui a pouco eu desço.
- Está certo, não demore porque senão esfria.

Ela, então, foi para a segunda porta:

- Minha querida, vamos jantar? Já está pronto!
- Tô postando umas fotos no Orkut! Já já desço.
- Mas nós nunca comemos nos mesmos horários, pois vocês sempre estão fazendo algo.
- Mãe, 5 minutos, tá?
- Ok...

Terceira porta:

- Meu bebê, vamos comer?
- Mãe, odeio quando você me chama de bebê! Tenho 15 anos, que coisa! E eu estou fazendo chapinha.
- Mas vai esfriar...
- Depois esquento no microondas.
- Certo...

Teresa, desanimada, anda pelo comprido corredor em direção às escadas. Cada passo parecia uma grande peso de tamanha tristeza. Há quanto tempo eles não fazem uma refeição juntos? Ela, com sua sandália de couro baixa, vai descendo os degraus. Parecia ter sido automático, mas assim que ela pisa no alti-penúltimo degrau todas as luzes da casa se apagam. A primeira reação dela foi subir e ver como estavam as crianças. Mas nem precisou. O trio desceu correndo pelas escadas assustados:

- O que foi isso hein? Na hora das minhas músicas!
- Meu filho, não sei dizer, pode ter sido um fio que pifou, sei lá... apesar de não ter ouvido nenhum barulho estranho.
- Drogaaaaaa, preciso fazer a chapinha para a festa de amanhã! Será que a luz volta logo?
- Acho que terei que postar todas as fotos de novo depois! Oooh saco...
- Filhos, já que não podem fazer o que estavam fazendo por estarmos sem energia, que tal esperar lá embaixo na sala, até voltar? Não deve demorar muita coisa, hoje em dia tudo se resolve rapidinho.
- Não temos escolha mesmo – disse o rapaz desanimado.

Os quatro desceram o resto das escadas e foram sentar na sala de visitas.

Daniel, o mais velho, ficou na poltrona que era do seu avô. Ao lado dele, a mais nova, Carlinha, estava sentada no sofá menor. Do lado oposto, estavam a mãe Tereza e a Ruth.

Durante uns quinze minutos todos ficaram calados pensando na vida. Pela iluminação do poste que vinha da janela, dava para perceber a expressão de desolação de Daniel e Carlinha. Tereza, pela claridão da vela via Ruth reflexiva.
Ruth então quebrou o silêncio:

- Poxa... morgação danada. Tinha que faltar energia logo agora? Ai saco!
- Pior eu com meu cabelo uó.
- E eu? Ouvindo cada música massa no som, ora droga.
- Calma queridos, já já volta tudo ao normal.

Tereza disse isso com um fundo de tristeza, pois sabia que a energia volaria, em alguma hora. Apesar de está em um ambiente sombrio, sem iluminação, ela estava se sentindo tão bem desse jeito, pois seus três filhos estavam ali junto dela.

- Carlinha, meu amor, você não disse que ia ficar em casa amanhã?
- É mãe, mas uma amiga me chamou para uma festa à fantasia.
- Tu vai de quê? De garota-mais-pentelha do Brasil? – soltou Daniel em altas gargalhadas.
- Você é ridículo sabia?
- Sabia!
- Eu também vou – disse Ruth.
- Você não me disse que iria.
- Estou dizendo agora. Na verdade queria que ninguém soubesse. Seria surpresa, mas não resisti.
- E qual fantasia você irá usar?
- Irei de emo para fazer uma crítica à esse novo tipo social
- hahahhahahah!!!!!! Mentira né? Disse Daniel – Você não precisa se fantasiar, pois você já é emo!
- Eu não vou nem comentar esse comentário imbecil.
- Ai, essas crianças! E você não vai filho?
- Claro que não. Só vai ter gente chata. Eu vou para o cinema.
- Ver que filme? Aqueles de terror horríveis que só você agüenta? Retrucou Carlinha.
- Vou assistir sexta-feira 13! Algum problema? – Ruth então falou:
- O problema é que amanhã é sexta feira 13 realmente! Boooooo...
- Meu Deus, estou com medo! Será que isso é coisa de Jason?
- ô Pirralha, hoje é dia 12 ainda!
- Mas daqui a pouco é 13 – disse Ruth querendo assustar.
- Ok, vamos mudar de assunto né queridos? Vocês sabiam que a mamãe de vocês já foi miss?
- Sério mainha? - Perguntou incrédula a Carlinha.
- Há muito tempo! Eu tinha 16 anos. Fui Miss da cidade. Pena que perdi as fotos quando me mudei para cá.
- Poxa mãe, a senhora arrasava e eu nem sabia! Ainda bem que não é hoje, senão ficaria com ciúmes!
- Oh, que nada. Hoje não dá mais para isso. - Carlinha comentou:
- Mamãe, a senhora ainda está enxuta, só falta incrementar, tipo fazer uma chapinha, colocar umas roupas mais bacanas, uma maquiagem legal...
- ahahhaah, ô filha, agradeço seu elogio, mas nem gostaria, muito chato. Só fiz porque meus pais insistiram. Ruth curiosa perguntou:
- Ai mãe, conta mais disso, que honra ter uma mãe miss!

Os ponteiros do relógio passavam depressa, e os quatro estavam tão entretidos nas histórias da mãe que nem perceberam o quanto tempo se passara, o quanto o jantar estava gelado, o quanto de fome deveriam estar. No meio de uma conversa

quando ela contava sobre um de sues namoradinhos de colégio, eis que as luzes se acendem.

- Ebaaaaaaaaaaaaaaa voltou a energia, gente! – Gritou Carlinha empolgada.
- Ah, vou voltar para ver minha fotos no Orkut, quero ver se o download foi feito.
- Calma filhos – falou Tereza com voz serena – deixa eu acabar pelo menos essa história.
- Rapidinho, mãe! Disse Carlinha e Daniel ao mesmo tempo.
- Não demorem para o jantar viu? Você não sentem fome? Já são quase 23h!Mas os três subiram tão rapidamente que nem ouviram a última frase dita pela mãe.

Ela então foi à cozinha. Ficou olhando a linda mesa de jantar preparada. Estava ávida por comida. Preferiria comer com todos à mesa. Mas pelo visto, iriam demorar muito com seus afazeres. Resolveu comer sozinha mesmo, com a TV da cozinha ligada, que passava um programa de fofoca.

Depois do jantar, ela foi subir para chamar novamente os filhos. Parou no meio da escada e sentou no degrau. Ficou ali quieta um bom tempo. Refletia sobre aquelas preciosas horas em que conversou tanto com suas crianças. Nunca tinha passado por uma experiência assim. Foi um momento mágico que ela jamais esqueceria. Por isso, não sabia se ficava feliz por ter vivido um momento único, ou triste por ter acabado. Achou que deveria ficar feliz, afinal foram horas falando e falando e os filhos olhando e rindo e comentando. Sentia vontade de ficar ali naquela situação a vida toda. A vida já estava sem graça mesmo, não se importaria de morrer naquele momento, junto com os seus filhos.Ela percebeu uma certa contradição nessa história. Iluminar sempre passa uma idéia positiva. Se alguém é brilhante, é porque possui qualidade muito forte. Se alguém nasce iluminado, terá sorte. Se alguém deseja “que Deus te ilumine”, deseja que alguém siga um caminho abençoado. Mas justamente em um momento de escuridão, onde mal se viam os detalhes dos rostos, apenas uma silhueta, a alegria se exaltou em Tereza. Com luz, tudo sem graça. Sem luz, tudo feliz. Ela até pensou que ainda há uma luz no fim do túnel. Preferiu que essa luz se apagasse, para poder novamente viver um momento como aquele... para poder novamente viver. Simplesmente viver.

Um comentário:

Andréa Carvalho disse...

Que lindo, tão sensível...
Mostra os antagonismos de ter ou não a luz. Gostei da temática.

:D